Programa Este muro no soy yo

Programa Este muro no soy yo

Curadoria_ Ángela López Ruiz

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28/ SET | 17h_ Cinemateca do MAM-RJ
> Sessão seguida de conversa com a curadora Ángela López Ruiz

04/OUT | 20h_ CCSP
> Sessão seguida de conversa com a curadora Ángela López Ruiz

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Este muro no soy yo (Capítulo dois)

Um conjunto de filmes e vídeos experimentais que abordam a questão dos muros que as mulheres e os dissidentes têm enfrentado neste continente que hoje conhecemos como América Latina. Trata-se de um panorama traçado a partir do prisma da perspectiva dos feminismos anticolonialistas.

No primeiro segmento (Antídoto contra a repressão) do programa são exibidas obras que podem ser consideradas marcos nas narrativas históricas do cinema latino-americano, filmes nos quais a performatividade sonora e as corporalidades se entrelaçam com as qualidades materiais do suporte analógico para criar um ambiente psicodélico que desafia as convenções instaladas pelos governos repressivos no Cone Sul.

No segundo segmento (Mergulhar em nossas entranhas) são expostos os problemas das fronteiras impostas tanto pela necropolítica como pelos sistemas de opressão que ela implica. Não se trata aqui apenas de conflitos geopolíticos, interessa-nos mostrar as territorialidades que não estão representadas no mapa. Este segmento fala sobre a permeabilidade de nossxs corpxs como sujeitxs políticxs e discute o que é habitar um corpo queer neste mundo de hoje. Também discute sobre a impunidade da corrupção dissimulada das “machocracias” e sua relação com a devastação dos territórios ancestrais.

O último segmento do programa (Quando o poético é político) é composto por obras poéticas que têm como fio condutor a emotividade, a política afetiva e os desvios relacionais. Trata-se de um conjunto de filmes com estéticas próprias nos quais são plantados conceitos como a cosmogonia intrauterina, um ensaio sobre a questão da identidade em períodos de migração, o conjunto relacional que sobrepõe a poesia com o cinema experimental, e o pluriverso do “afrofatalismo” representado em um projeto sonoro em forma de videoclipe.

Ángela López Ruiz
Curadoria

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> ANTÍDOTO CONTRA A REPRESSÃO

RITM ZOO
de Lydia García. Uruguai, 1956, 3’13’’

Sinopse_ Esta obra foi uma das preferidas de Lidia García Millán, que investigou profundamente a importância do som no cinema. Desta preocupação surgiu sua escolha por fazer um tipo de cinema não narrativo, onde o som (incidental em algumas das suas obras) tinha especial destaque – e foi isso o que fez com que ela considerasse suas obras experimentais. Na época isso gerou divergências entre os agentes de cultura cinematográfica uruguaios, que buscavam criar um cinema nacional voltado para a Europa. Graças às genealogias feministas, hoje sua obra é considerada uma referência histórica.

Sobre x artista_ Lidia García Millán – Cineasta experimental uruguaia que participou do movimento cineclubista desde a década de 1950 até seus últimos dias. Foi professora de desenho e geometria no Instituto Escuela de Construcción. Também foi tenista profissional. Seu arquivo está disponível neste canal: https://vimeo.com/325862048

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COME OUT
de Narcisa Hirsch. Argentina,1971, 11’15’’

Sinopse_ Um filme que reflete a mística do underground portenho que transversalizou as práticas experimentais, incluindo o cinema. Na obra escutamos uma composição sonora de Steve Reich na qual se repete a frase: “I had to, like, open the bruise up, and let some of the bruise blood come out to show them”. Trata-se de “Come Out”, peça criada em apoio a seis acusados de assassinato no Harlem. A artista gera uma atmosfera mântrica entre o desfoque e a música que nos captura até que o ambiente onde se está filmando seja revelado. Poderíamos muito bem classificá-lo como parte do movimento que a própria Narcisa chamava de “cinema secreto”, já que eram obras assistidas apenas nos porões da cidade.

Sobre x artista_ Narcisa Hirsch – Por muitos anos ela se considerou uma “famosa cineasta desconhecida”. É uma artista transdisciplinar, pioneira do cinema experimental no nosso continente, filósofa do cinema, guardiã de arquivos experimentais, filantropa das artes, colecionadora e ativista de ambientes contraculturais desde os anos 70 até agora. Suas obras podem ser vistas em https://filmotecanarcisahirsch.com.ar/

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POPSICLES
de Gloria Camiroaga.
Chile-EUA, 1982-1984, 6’

Sinopse_ A própria artista diz sobre esta obra: “Esta obra é uma interação do espaço, dos símbolos e do contexto histórico em que vivo como mulher deste lado do continente. É um rosário que soa como um alarme, eterno e circular; o alarme de uma mulher que deseja a vida, a luz, a verdade e a solidariedade, mas que, em vez disso, vê e recebe a morte e o medo. É uma rejeição a tudo o que é destruição e morte, mas que é descrito de forma quase atrativa como inocência.” Esta é uma obra de videoarte na qual um grupo de pessoas se reúne para realizar uma performance enquanto reza uma oração que é intercalada com sons inerentes ao clima de repressão que existia no Chile na década de 1980.

Sobre x artista_ Gloria Camiruaga – Formou-se pedagoga em Filosofia pela la Universidad de Chile. Além de atuar no ensino universitário, foi artista multidisciplinar, jornalista e documentarista. Em 1980 estudou Videoarte no San Francisco Art Institute. A partir desse momento, sua carreira se concentrou na criação audiovisual com ênfase na denúncia sobre os direitos humanos, especialmente das mulheres e das minorias, bem como sobre as condições de repressão nas quais se vivia no Chile. Ela é uma das pioneiras da videoarte e do cinema feminista na América Latina.

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APOLO 11
de Teresa Puppo. Uruguai, 2013, 6’06’’

Sinopse_ É um filme realizado com técnica de apropriação, utilizando material encontrado na internet para sua realização. Uma obra que contextualiza a situação das mulheres que foram presas durante a ditadura uruguaia. Aqui coexistem: os ares de Woodstock, a repressão e as denúncias de tortura e abuso sexual durante as ditaduras latino-americanas, o Plano Condor, a chegada do homem à Lua e outros acontecimentos. É uma obra com uma concepção não linear de tempo que intercala ou sobrepõe imagens da memória pessoal com a memória pública.

Sobre x artista_ Teresa Puppo – Artista visual, escritora, cineasta e polinizadora cultural. Estudiosa de filosofia contemporânea, investiga as marcas que nos deixaram os discursos fundadores do estado-nação e os genocídios dos povos originários, especialmente na região do entorno do Rio da Prata. Ela é uma ativista do feminismo em sua corrente anticolonialista. Cofundadora do coletivo Fundación de Arte Contemporáneo e do Laboratorio de Cine-FAC. Suas obras podem ser vistas aqui: https://www.youtube.com/channel/UCExok-imD_EE7WMcplW5IKA

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> MERGULHAR EM NOSSAS ENTRANHAS

AMÉRICA
de María Galindo. Bolívia, 2010, 1’58’’

Sinopse_ Esta obra integrou a exposição “Principio Potosí Reverso” realizada no Museo Reina Sofia. Trata-se de uma denúncia contra a imposição de um nome (masculino e europeu) a um continente que já era conhecido pelos seus habitantes originários com diferentes nomes ancestrais. Esta denúncia da violação dos direitos dos povos originários é recitada por uma cabeça falante embutida em um mapa continental orgânico como se a sua voz viesse das entranhas do mapa. Uma obra representativa da estética de María Galindo que, com voz clara, expressa uma das feridas mais profundas do colonialismo.

Sobre x artista_ María Galindo – Artista multidisciplinar, ativista pelos direitos das mulheres e dos dissidentes no enclave andino, teórica do feminismo na América Latina, escritora, comunicadora e cineasta. Cofundadora do movimento Mujeres Creando (M.C.). Durante a derrubada de Evo Morales organizou o Parlamento de las Mujeres, ação que reconstruiu os acontecimentos a partir de transmissões de rádio originadas na sede da M.C., a casa La Virgen de los Deseos. Estas ações contribuíram para a derrota do governo fascista que havia sido estabelecido naquele momento.

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LLUVIA LLANTO

de Ivonne Sheen. Peru, 2018, 15’03’’

Sinopse_ A artista escreve sobre esta obra: “Foi concebida como uma paisagem abstrata e emocional imersa em chuva e granizo. Os sons provocam uma viagem interior através de flutuações que se desdobram em contraponto à imagem projetada de um fogo em constante e sutil mudança. A composição sonora é uma manifestação dos meus sentimentos, depois de visitar sozinha as regiões de Cusco e Puno durante a estação das chuvas, fenômeno que não costuma acontecer no meu cotidiano em Lima (Peru). Apresentada e concebida como uma performance em concertos de música experimental. Esta é sua versão pós-produzida.”

Sobre x artista_ Ivonne Sheen – É uma artista visual peruana, professora e pesquisadora das expansões e limites do que chamamos de cinema. Atualmente reside na Alemanha, onde estuda e trabalha. A sua prática artística reflete aquela caminhada leve mas ao mesmo tempo profunda de quem conhece o seu território. Em 2018 co-fundou, juntamente com Maricé Castañeda, o projeto de experimentação fotográfica e de filmagem sem câmera Taller Helios. Também colabora com a revista “Desistfilm” desde 2017 e com a produção de encontros e festivais de cinema experimental no Peru.

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RENDERIZE MEU CORPO (RENDER MY BODY)
de Anto Astudillo. Chile, 2022, 9’46’’

Sinopse_ A artista escreve sobre a sua obra: “Neste projeto de dois capítulos, reconstruo a progressão do meu processo de transição e de reposição hormonal, usando o registro de voz e cenários virtuais para reconhecer mudanças físicas e psicológicas. Ambos os capítulos são evidências cronológicas de uma experiência de um ano de afirmação de gênero, que remonta aos dias anteriores à testosterona, quando imaginei pela primeira vez meu avatar não binário, inspirado em meus sonhos mais profundos. (…) Exploro o que significa habitar um corpo trans/queer no contexto de um mundo que tornou os nossos corpos vulneráveis. No futuro gostaria de desenvolver mais projetos híbridos nos quais o cinema e a atuação se tornem uma experiência imersiva para o público.”

Sobre x artista_ Anto Astudillo – Artista visual, cineasta experimental, professorx, curadorx de cinema e performance. Atua na direção de fotografia e também na produção de diversos eventos ligados ao cinema. Sobre sua obra: “explora as interconexões dinâmicas entre a prática da corporeidade e o cinema experimental para criar retratos visuais de temas pessoais e políticos na forma de filmes em 16mm, vídeos e performances”. Extraído de seu site: https://www.antoastudillo.com/about

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O ÚTERO (THE WOMB)
de Adriana Vila. Venezuela-Espanha, 2021, 3’48’’

Sinopse_ Filme comissionado para o espetáculo multidisciplinar “Genero Imposible”, da artista Silvia Perez Cruz. Porém, a partir da gravidez do filme, retrata-se o pluriverso uterino que transcende o pessoal e envolve a todas as pessoas que já pensaram em ser mãe. No início aparece um poema de Sylvia Plath que antecipa a organicidade entre cinema, poesia e corporalidade: “O útero. Sacode sua cápsula, a lua. Se liberta da árvore sem ter para onde ir. Minha paisagem é uma mão sem linhas. As estradas se agruparam em um nó. O nó eu mesmo. Eu sou a rosa que você alcança – este corpo, este marfim. (…)”. Como curadora, concordo com as palavras de Isaki Lacuesta sobre este projeto onde o cinema, a música e a poesia trabalharam “na mesma sintonia, com objetivos claros, mas com o roteiro aberto a ponto de transbordar”.

Sobre x artista_ Adriana Vila – Cineasta, artista e antropóloga dedicada à criação cinematográfica e ao ensino. Sua obra abraça a materialidade e a imaterialidade do cinema. Interessada na criação cinematográfica como meio de exploração e transformação da consciência. Fascinada pelos seus mistérios e poderes, enquanto detonador de cerimônias pessoais e coletivas, úteis para abordar a alteridade (a nossa e a dos outros). É doutora em Antropologia pela Universidade de Barcelona.

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> QUANDO O POÉTICO É POLÍTICO

FRAGMENTOS ALEATÓRIOS (RANDOM FRAGMENTS)
de Gabriela Zucolillo. Paraguai, 1999, 8’31’’

Sinopse_ “Random Fragments” é uma obra de cinema experimental que rompe com a febre da videoarte de sua época. Aborda um tema que hoje nos interpela mais do que nunca, que é o ocularcentrismo. Através do que se quer mostrar de maneira geral. Focaliza uma cena através de um pedaço de espelho e assim permite-nos concentrar-nos no ponto a partir do qual o todo é contado. Fala também sobre seguir caminhando a partir das pausas, de narrar a partir do fragmento. Realizado em película 16mm preto e branca, é um filme pioneiro para sua época.

Sobre x artista_ Gabriela Zucolillo – Artista visual, professora, diretora de fotografia, videoartista e cineasta. Graduada em Antropologia pela Universidad de Buenos Aires. É considerada uma das referências da fotografia artística na América Latina. Vive e trabalha em Assunção (Paraguai) onde desenvolve sua prática artística em torno da reflexão da fotografia e seus contextos. Parte de sua vasta obra pode ser conferida neste link: https://www.gabrielazuccolillof.com/

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MINHAS TENTAÇÕES (MIS TENTACIONES)
de Macarena Gagliardi e Melisa Aller.
Argentina, 2022, 7’30’’

Sinopse_ Este curta-metragem baseado na coletânea de poemas homônimos de Macarena Cordiviola, percorre os tênues limites entre o cinema, as corporeidades e a poesia. Assim, as imagens e letras deste curta sintetizam fugacidade e beleza com uma carga sugestivamente explosiva. A coautoria com Melisa Aller reflete um percurso de emoções e cumplicidades em torno do trabalho cinematográfico numa perspectiva feminista.

Sobre x artista_ Macarena Cordiviola – Artista visual, cineasta, curadora, escritora, jornalista, tradutora e produtora de cinema e televisão. Investiga as poéticas que cruzam o cinema com a poesia e a pintura e as potencialidades que o suporte fotoquímico traz para essas práticas.

Melisa Aller – Artista visual, cineasta, escritora e curadora. É formada em Ciência Política e advogada criminal formada pela Universidad de Buenos Aires. Sua especialidade são os estudos de gênero, as políticas sociais e os feminismos latino-americanos.

As duas artistas trabalham em colaboração e fazem parte do Club del Super8 e de outros coletivos que trabalham com o suporte fotoquímico. Suas obras se destacam no campo do cinema experimental e da arte contemporânea.

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ESFERAS
de Nomusa. Uruguai-Argentina, 2021, 4’06’’

Sinopse_ Texto extraído de Kristel Latecki: “Tanto em suas atmosferas etéreas ou oníricas quanto nos ambientes digitais de alta definição habitam questões ideológicas, críticas à falta de profundidade, cenas de romance moderno e declarações feministas. ‘Esferas’ sobre a tragédia que se condensa nesta peça conceptual.” E continua: “Estamos nesta era onde o profundo já é escasso. (…) Complexo até na sua sonoridade – uma atmosfera híbrida e efervescente que navega pela arte pop, afro pop, pop rap, trip hop e house (…)-, o álbum musical F.A.T.U.M. é terreno e humano. Seu título significa em latim ‘destino fatal’, mas mostra que aqui está alguém que não tem medo dele.”

Sobre x artista_ Nomusa – É o alter ego da artista sonora, curadora, ensaísta e ativista do movimento afrofeminista Camila Cardozo, que explora as intersecções entre a hiper-realidade, a tecno-fantasia, a cultura da conectividade, e se interessa pelas raízes do Afrofuturismo com um olhar crítico do qual nasce novos conceitos. Embora seja uma artista jovem, há muitos anos se dedica à música, à crítica de arte e à performance, nas quais está ligada através das novas tecnologias. Atualmente trabalha em um projeto de conceituação teórica sobre o “Afro Fatalismo”, termo criado pela própria artista no qual se entrelaçam temas como a negritude, o destino, o tempo e o fatalismo. Texto de referência: https://www.piiiila.com/blog/la-vision-afrofuturista-de-nomusa